A maioria das pessoas que eu conheço não aceita ver um cu sem acento. Todo mundo sabe que legislação ortográfica proibe a acentuação do cu. Dizem os gramáticos que, sendo monossílabo tônico terminado em u, cu – como tu e nu – não pode ser acentuado. Mas os mestres da escatologia moderna argumentam que o cu não pode ser colocada na caixa das palavras comuns, já que ele carrega sobre si toda uma aura sentimental de que se ressentem suas companheiras de dicionário: cu não é palavra; é palavrão. E palavrões carecem das insígnias gráficas sobre suas cabeças tanto quanto anjos de suas auréolas.
Eu me coloco em cima do muro, incapaz de legislar sobre o cu alheio. Falo apenas por mim: no meu cu não vai, nem nunca foi, acento de qualquer natureza. Conheço gente que não resiste à tentação de meter um acento maroto no cu. Veem essas duas letrinhas soltas, sem aquele risco agudo em cima delas e já as consideram nuas, desprendidas de suas identidades: garrancham um pau preto a desvirginar em diagonal o u mulato. Alguns menos desavergonhados advogam a tese de que o u do cu deveria ser grafado invertido, com o acento sob ele, saindo da cavidade literal como um cocôzinho (esse sim, com acento indispensável). Entrando ou saindo, para essa gente, cu sem acento é apenas uma casa a mais na tabela periódica: o símbolo do cobre (em latim, cuprum).
É claro que num país livre e pretensamente democrático como o nosso, todo mundo deveria ter o direito de fazer com o próprio cu o que bem quisesse. Essa região inóspita é o nosso contato mais íntimo com o mundo externo, aonde mandamos tomar nossos desafetos e o que seguramos na mão quando sentimos um medo paralisante. Não podemos abdicar do direito de tê-lo, e, principalmente, tê-lo como quisermos. Não posso admitir que a legislação gramatical, que me parece ter deliberadamente ignorado questões fundamentais como essa, queira definir a natureza e o estado dos cus pátrios. Eu sou um dos que defendem a extinção, completa e dolorosa, de todos os acentos da língua portuguesa, por os considerar meros acessórios de gosto duvidoso. Mas admito que o cu possa ser uma honrosa exceção, não subordinada às regras impostas de cima pra baixo, já que é – e sempre será – função do cu questionar os paradigmas caretas da nossa sociedade.
E se você é uma daquelas malas sem alça que insistem em corrigir os que metem o acento no cu, vá procurar coisa melhor que fazer. O cu é questão de foro íntimo, sua acentuação é direito inalienável da pessoa humana. Mandemos cartas à ONU e aos órgãos de defesa dos direitos humanos, para que tirania nenhuma nos impeça de botarmos em nossos cus o que quisermos! E antes que alguém me acuse de hipócrita, explico-me: não acentuo os cus desses texto porque na minha opinião de merda, cu com acento é uma redundância desnecessária, já que a sonoridade do cu já transmite a gravidade que o acento reverbera. Todavia, como Voltaire, não concordo com a banalização do cu, mas lutarei até a morte pelo teu direito de enfiar nele o que bem quiser. Afinal, acento, como pimenta, no cu dos outros é refresco.
Fonte: http://amortecedor.wordpress.com/2010/04/13/enfiem-o-acento-no-cu/